Ensaio Sobre a Cegueira

Hoje finalmente assisti ao filme do "Ensaio Sobre a Cegueira"... Já tinha lido o livro, adorado (mais uma vez reitero para quem ainda não leu) e estava querendo ver o filme desde quando soube que seria lançado... Falaram tanto nele que até me assustei, mas vamos lá...

Para começar, acho que todos sabem a história: um surto de cegueira branca ataca uma cidade e ninguém sabe de nada... Basicamente é isso... Logo no início (tanto do filme quanto do livro) já temos o primeiro caso e é isso que torna ambos tão diferentes: ao invés de outras histórias que tem que desenvolver toda uma trama complexa e personagens, essa já dá a premissa logo de cara e se desenvolve a partir dela, focando nas conseqüências e como é o comportamento das pessoas diante dessa situação inesperada... Por isso acho o uso do termo "ensaio" bastante interessante...

Pois bem, como é fácil imaginar, com um grande número de recém-cegos, a cidade vira um caos... Medo permeia a todos e uma primeira providência é isolar os infectados em um hospício... Não vou além para não estragar a história, mas o resto dela é basicamente ver como um grupo encara essa dificuldade e se adapta ao novo estilo de vida... Detalhe: os integrantes desse grupo não tem nome... Temos "o médico", "a mulher de óculos escuros", "o senhor de tapa-olho", mas não temos nomes em nenhum momento... Quer coisa mais genérica???

Não sei se foi porque falaram tanto e eu já estava preparado ou se foi porque já sabia da história porque tinha lido o livro, mas não achei o filme tão chocante quanto se fala... Sim, tem cena de estupro, mas não achei tão explícito e, certamente, não é uma cena gratuita... Como disse, o foco é mais em ver as pessoas encarando as dificuldades, tanto individualmente como dentro do grupo...

Aliás, como qualquer adaptação, acho que isso se perdeu ao passar para o filme... No livro, por ter mais espaço e poder discorrer mais, Saramago cria situações em que você consegue se identificar com os personagens, vivenciando suas emoções... Um exemplo que me marcou e que no filme não fica tão claro assim é de um soldado que vê um cego se aproximando, dá vários avisos de alerta para ele se afastar e, por uma combinação de medo e desespero, mata o cego e depois fica se culpando por isso... Outra cena que também me marcou (e vai vir aqui gratuitamente, só para compartilhar mesmo) é uma em que dois cegos discutem, mas como ambos já estão cegos há algum tempo nenhum dos dois tem qualquer movimento corporal, pois já sabem que é inútil....

Me lembro também que houve críticas da parte de cegos, dizendo que o retrato que fizeram deles é pejorativo... Não concordo mesmo... Apesar de admitir que vi o filme com uma visão bem pé no chão (as in, não captando qualquer alegoria que quisessem passar), acho que o foco é mostrar o caos e como alguns valores/idéias/pensamentos somem diante de uma situação extrema... É fácil saber que a vida de cegos não é daquele jeito... (diga-se de passagem, inclusive um cego "natural", da cegueira negra, é retratado como um dos caras mais aptos diante da situação)

Antes que essa resenha vire um tratado, encerro aqui só comentando que gostei muito da forma sutil com que a cegueira branca é retratada... Para quem quiser saber mais, temos o imdb, wikipedia e o site oficial... E finalizo com uma frase que não me lembro de estar no livro e que é narrada após um cego novo chegar - ele fala como está o mundo fora do hospício e, em seguida, coloca uma música para tocar para melhorar os ânimos:

Why do they ask were they tears of joy or sorrow? Joy and sorrow are not like oil and water. They coexist.

Só para encher o saco mais uma vez: leiam o livro!!! 50% de chances de gostar (conheço gente que não gostou), mas recebeu o prêmio Nobel de literatura... Estou lendo outro livro dele, do mesmo estilo (as in, vomita a premissa e parte para o desenvolvimento das reações dos personagens), e estou gostando...